sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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Confesso que não estou com muita vontade de escrever, mas sei que é preciso.
Ontem fui visitar a sogra do meu mano no hospital. Cheguei na recepção do Mãe de Deus e perguntei onde ficava o banheiro adaptado. A atendente pensou um pouco e chegou a conclusão que não havia nenhum. Simplesmente, não há banheiro adaptado no Mãe de Deus. A moça, gentilmente interditou o banheiro comum para que eu pudesse me sondar na área onde ficam as pias. Já era quase nove horas da noite quando baixei as calças e comecei o chato processo: sonda, xilocaína, etc. Enquanto a urina era drenada eu pensava no absurdo que é não ter o direito de fazer as necessidades fisiológicas com dignidade.
Sai do banheiro e preenchi um formulário que o hospital oferece para saber a opinião dos usuários. Pus no papel a minha indignação e solicitei a gentileza de se fazer cumprida a lei federal 10.098/00, também conhecida com lei da acessibilidade.
Hoje, sai do trabalho pelo prédio anexo. Atravessei a Duque, peguei o C1, com certa dificuldade porque a rampa de acesso ao ônibus é pra alpinista. Fui sacolejando até a santa casa, desembarquei novamente pela rampa de alpinista. Atravessei a Independência (ou ainda é annes dias?), e desci no desespero o lombão que leva até a parada do T9. É foda pra caralho aquela lomba. Totalmente inviável ir pela calçada esburacada, sou obrigada a ir pelo meio da rua mesmo. Acontece que não dá pra ir bem pelo cantinho, onde seria teoricamente mais seguro, porque há um caimento bizarro que poderia facilmente me emborcar pro lado. Desço disputando espaço com os carros com a fé que sou Juliana Papaels e nada vai me acontecer.
Uma curva de asfalto esburacada, começa a peleia pra subir a lombinha até o T9. O adaptado não passa toda hora... vejo um estacionado. Tenho que correr para pegá-lo ou aguardar um bom bocado pelo próximpo. Lá vai a aleijada de novo no desespero subindo lomba atrás do bus. Acho um rapaz com aparência simpática e peço ajuda. 'Pelamor, pede pro motora lá me esperar'. O gentil cidadão pede pra segurar o bus e volta pra me ajudar a subir o resto da ladeira.
Lá vou eu sacolejando até a Goethe. Desco em frente ao Habib´s por uma bizarra plataforma adaptada no busão. O motorista que a opera confessa que é a primeira vez que está manuseando o equipamento. Que maravilha, a empresa não preparou o funcionário. Juliana Papaels sobrevive a mais esta.
Falta pouco pra chegar na fisioterapia. Vou tocando a cadeira pela calçada decadente. Passa um rapaz de bike acompanhado de seu pit bull americano sem coleira ou focinheira. A cabeça do animal é do tamanho de uma bola de basquete.
Estou indo a passito (ou rodita) quando o cara pára a bike e fica me olhando. Ele percebe a 'dificulidade' que estou passando e oferece ajuda. Eu aceito, ainda mais porque logo adiante tem o trecho mais 'missão impossível' do trajeto. A calçada quase fica na vertical de tão inclinada. O rapaz me auxilia enquanto o seu cãozarrão nos acompanha. Sou Juliana Papaels e nada vai me acontecer. Rezo para que o cão não se irrite. E caso resolva me morder, que seja na canela.
Passado o momento hardcore, vamos conversando. o cara recém voltou dos states. Pergunto como são as ruas por lá. 'Primeiro mundo', ele diz. O cãozarrão sai correndo atrás de outro cão. O cara vira pro lado pra chamá-lo. Minha rodinha da frente tranca num buraquinho da calçada decadente (isso pode ser interpretado como um tropeção). A cadeira trava, e sou projetada pra frente por culpa da maldita inércia. Caio em slow motion, uuuuaaaah, ponho as mãos pra frente. Ajoelho, fico de quatro, prece maometana, chão.
O cara volta o rosto e quase tem um enfarte. junta um bolo a minha volta. Dentro das possibilidades, peço calma a todos e explico como em ajudar a voltar para cadeira. Um pega embaixo dos braços, outro nos joelhos. Um, dois, três. Ju Papaels, não se machucou e sobrevive a mais uma!
Escutei uma frase da boca de uma mulher cega, na conferencia estadual sobre os direitos das pessoas com deficiencia, que fica martelando na minha cabeça. É incrível o quanto o que essa mulher disse se mostra no meu dia a dia desde que botei a cara na rua. O PROBLEMA NÃO É A LIMITAÇÃO FÍSICA E SIM AS BARREIRAS QUE A SOCIEDADE NOS IMPÕE. Acessibilidade já. Dignidade agora.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O contrato

Embora a reflexão merecesse muito tempo, minhas pernas estão abrindo o que significa que tenho que fazer xixi. Então, serei breve. Mas, antes clica aqui (com o botão da direita e abre em uma nova janela) porque a reflexão merece trilha sonora.

Sexta feira a sogra do meu irmão teve um AVC. Os médicos não sabiam se ela sobreviveria a cirurgia. Graças a deus, ela resistiu, mas ainda está em estado grave na UTI. Meu irmão e minha cunhada despencaram da Nova Zelândia pro Brasil. Cheragam ontem no país.

Porque a vida faz dessas com a gente? Ele recém conseguiu validar o diploma lá, está começando a construção de uma carreira, sei, de muito sucesso. Ela tinha chegado em Auckland fazia pouco, começado a trabalhar há uma semana. Daí vem a senhora vida, estilo bola de boliche fazer strike nos pinos alheios. E deu, sem avisar de onde vem. Ela desmancha tudo. Ou deixa em suspensão.

Ele volta pra NZ domingo, e ela fica no Brasil até a Dona Maria se recuperar. E a minha cunhada amada do coração fica duplamente triste, porque a mãe está numa situação delicada, sujeita a ficar com sequelas e por ficar longe do amor da sua vida não se sabe por quanto tempo ainda.

Na boa, provavelmente antes de nascer, ou sei lá, quando começa a vida... Mas, antes de começar a viver a gente assina um contratinho com o universo. Nas clausulas diz que tu vai experimentar as sensações mais incríveis, os prazeres mais indescritíveis, vai achar que o tempo é curto pra fazer tudo, vai amar, sorrir, ser feliz, vai desejar viver 100 anos.

Só que também faz parte do acordo, e tá lá em letrinhas miúdas, que pra ter acesso a todos esses benefícios existem condicionantes: experimentar as piores dores, perder o chão quando menos se espera, sentir o buraco que abre no peito mediante a impotencia, desejar não existir tamanha dor que te consome.

Tá tudo lá, no contrato desse grande e imprevisível negócio chamado vida.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Bundalele de aniversário!

Nóis tarda, mais não faia

Finalmente, depois de quase uma ano, o vídeo da virada em Floripa.

A versão cadeirante do 'pleasure man'

Isso é o que dá um bando de aleijado sem nada pra fazer num feriado de quinta-feira.
Primeiro assista o original. Depois, a versão 'quebradinha' abaixo.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

um passo depois do outro

minha tia Maira me ajudou a achar uma pessoa que fará a primeira revisão do livro. fiz a minha parte: mandei um e-melho pro daniel galera pra ver se ele topa fazer o prefácio e me ajuda a achar alguém (uma editora) que publique minhas bagaceirices. Também mandei um scraap pra uma prima minha de sampa cujo irmão conhece o marcelo rubens paiva. eu sonho alto! assim que conseguir o contato dele, vou fazer uma proposta indecente: (não é nada de 'na minha cadeira ou na tua', bobinhos) quero que ele escreva 'a oreia do livro'.
uh, agora é acender a velinha e torcer para tudo dar certo!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O que os olhos não vêem as pernas não sentem

Não sei se já disse aqui que tem uma estagiária que é cega trabalhando comigo. Buenas, acho que já faz uns dois ou três meses que conto com a colaboraçã da Camila. Ela tem catarata congênita, e nunca enxergou. Tá sendo uma experiêcia interessante conviver com uma cega.
A Camila tá me ajudando praticamente em todo processo de produção do 'pograma'. Assim como eu estou tendo esta oportunidade quero que ela também tenha. Sei que está acontecendo um grande movimento de inclusão das pessoas com deficiência. Mas como este processo ainda está engatinhando, em que outro lugar a Camila teria oportunidade de apresentar um programa de tv? No Brasil ela é a única. Cadeirante também é incomum, mas não é tão raro.
Bom, mas o fato é que estamos apresentando juntas a porra do programa. E como Deus é pai, não é padrasto, a gente tá fazendo a produçã do belote e da maquilage num salão perto da assembléia. A gente normalmente vai e volta de taxi.
Semana passada, depois de me dar conta que já faz um booom tempo que to gastando por mes mais do que eu ganho, decidi que é hora de 'fechar gargalos'. ´No meu caso, um dos maiores é o custo com transporte. Lá foi a aleijada guiando/e sendo empurrada pela cega. Momento impagável. O que os olhos não vêem as pernas não sentem.
E ainda com o espírito de economizar para organizar as finanças decidi que vou fazer todos os translados possíveis de bus. Já estou indo todos os dias pela madrugada para a assembléia. pela madrugada mesmo, porque os bus adaptados não passam em todos os horários entao acabo chegando com a vivi sempre uma hora antes do expediente.
É engraçado, né? A maioria dos desafios só são superados quando há necessidade. Por enquando vou pelas calçadas sempre acompanhada pela minha maninha, mas a intenção é ter autonomia e sair pra rua sozinha mesmo. Essa grana que vou economizar pegando o busão vai virar meu carrito mais adiante! Vamo que vamo!